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O Panóptico de Benthan e as considerações de Michel Michel Foucault

  • Foto do escritor: Luis Guilherme Biston
    Luis Guilherme Biston
  • 4 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura
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Através de cartas datadas do ano de 1787 enviadas direto da Rússia, Jeremy Bentham, filósofo utilitarista e jurista inglês, descreveu um modelo de arquitetura conhecido como panóptico. Tal conceito não estaria restrito a ser aplicado somente em penitenciárias - como exposto a seguir -, mas em qualquer instituição no qual queira-se manter sob inspeção um certo número de pessoas.


Imagine, então, um edifício circular. As celas dos prisioneiros ocupam essa circunferência; é ali que irão comer, trabalhar, orar e fazer todas as coisas. No centro está o alojamento do inspetor. Entre as celas dos prisioneiros e o alojamento do inspetor há um espaço vazio. O inspetor tem, portanto, uma visão completa de todas as celas; o prisioneiro isolado em sua cela, por questões de arquitetura e iluminação, não consegue ver o inspetor dentro de sua torre. Bentham diz que, não sendo possível a vigia dos prisioneiros o tempo todo, é fundamental que eles creiam que estão sendo inspecionados; ou seja, tem-se a impressão que o inspetor é onipresente. É nesse conceito fundamental da constante vigilância que a ideia do panóptico é construída.

Bentham afirma que o panóptico é, também, um modelo contra fugas. Para dominar o guarda seria necessário a união de forças e mentes dos prisioneiros, porém


que união, ou que concerto, pode haver entre pessoas, nenhuma das quais terá posto os olhos em quaisquer das outras desde o primeiro momento de sua entrada? ¹


Nas cartas, o filósofo descreve não somente o panóptico de uma forma abstrata, mas as medidas em que ele deve ser preferencialmente construído, de uma maneira que um preso não tenha contato com outro e que o inspetor tenha visão de todas as celas, de todos os andares, com uma simples ajeitada na postura. Interessante que Bentham define que o espaço na torre do inspetor deve ser grande o bastante para comportar também sua família. Quanto mais numerosa for a família melhor. Dessa forma, os membros da família acabariam

vigiando os presos, mas somente um receberia remuneração para isso: o próprio inspetor. Não haveria necessidade nem de ordenar para que façam isso, visto que isso aconteceria naturalmente e, no intervalo de suas atividades cotidianas, acabariam emprestando seus olhos ao panóptico.


A solidão e a segregação dos prisioneiros no panóptico é benéfica ao propósito da reforma. Quanto ao trabalho dos encarcerados, Bentham entende como essencial; trabalhar é ocupar o tempo, é um estímulo necessário e a escolha desses ofícios deve ser livre. O esforço feito pelos prisioneiros precisa ser recompensado. Contudo, essa recompensa não pode ser tão grande quanto a que teriam se trabalhassem em outro local. É justo que um prisioneiro tenha condições melhores se trabalhar para isso.


Aquele que administra o panóptico precisa zelar pelos seus prisioneiros. Para isso, Bentham propõe que o administrador pague por cada um dos prisioneiros que morrer. Como economicamente o panóptico também é vantajoso, não haveria problema em ter esse “prejuízo financeiro” da parte do administrador, pois aquele prisioneiro teria produzido muito mais no tempo em que esteve encarcerado.


O modelo proposto por Bentham, por motivos práticos, foi pouquíssimas vezes - para não dizer nenhuma - seguido à risca. Porém, o conceito foi implantado e inúmeras construções se inspiravam no modelo perfeito onde a disciplina era aplicada pela onipresença daquele que vigiava. Era quase uma divindade, um deus que nunca fecha os olhos.


Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, em Vigiar e Punir publicado em 1975, utiliza o conceito do panóptico para discutir sobre o poder disciplinar. A partir do século XVIII, passamos de uma sociedade do espetáculo e da punição para uma sociedade da disciplina. Para Foucault, o panóptico deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; em outras palavras, as maneiras de definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens. O panóptico não é só um edifício utópico, é um mecanismo de poder levado à sua forma ideal. Se na Idade Média os condenados eram executados em praça pública por terem desafiado o poder soberano, na sociedade da disciplina e, principalmente, em uma sociedade produtivista, os corpos precisam ser úteis, precisam produzir.


O panóptico de Bentham como ideia de vigilância e não necessariamente de construção encontra seu ápice no século XX e XXI. Apesar de Foucault não ter vivido para ver a completa globalização que a internet possibilitou, não é exagero pensar em como ficaria surpreso ao perceber que os corpos não só estão sendo vigiados o tempo todo através dos algoritmos, obrigando-os a não parar de produzir, como também esses mesmos corpos fazem questão de serem observados. Se ainda há dúvidas sobre como o ideal do panóptico nos condiciona, basta pensar em um estabelecimento onde existe uma placa na entrada dizendo “Sorria, você está sendo filmado”. A sensação de ser observado e não saber onde ou quem está observando é o bastante para condicionar as pessoas. Foucault conclui em sua obra que o homem vaga de uma instituição de vigilância para outra: escolas, família, fábricas, hospitais, prisões. Constantemente vigiado, constantemente disciplinado. Não é à toa que notamos uma essência comum a todas elas. Por fim, Foucault nos faz pensar:

Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?²




¹ BENTHAM. Jeremy. O panóptico. 1a ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.


² FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 42a ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

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