Graciliano Ramos e Direitos Autorais no Brasil
- Maria Lúcia dos Reis
- 28 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Neste ano, a obra completa do renomado escritor alagoano Graciliano Ramos entra em domínio público, o que abre uma boa oportunidade para se clarificar o real significado da proteção à propriedade intelectual do conteúdo científico, artístico e literário desenvolvido no país.
Nascido em Quebrângulo (AL), no final do século XIX, o escritor pertenceu à chamada “Geração de 30”, grupo de modernistas preocupados em demonstrar as mazelas socioeconômicas brasileiras por meio de seus escritos, bem como marcado por um forte regionalismo. A Geração conta ainda com Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz e Jorge Amado, famosos pelo enfático tom de crítica social contido em seus trabalhos.
Em sua obra-prima, “Vidas Secas” (1938), Ramos retrata a saga de uma família de retirantes nordestinos que perambulam pelo sertão com o objetivo de fugir da fome, da sede, e da situação de extrema miséria em que sobreviviam. Já em “Memórias do Cárcere” (1953), relata as angústias do período de nove meses em que esteve preso sob a acusação de comunismo, ao mesmo tempo em que traça um panorama da realidade populacional brasileira.

O autor faleceu em março de 1953, vítima de câncer no pulmão. A casa em que viveu foi desapropriada em 1965 pelo Governo de Alagoas e, posteriormente, foi criado o Museu Graciliano Ramos.
Uma vez ressaltada a importância do autor para a literatura nacional, retornemos à questão dos direitos autorais: o que foi feito com o direito de exploração de suas obras post mortem? Como ocorre o processo de sucessão de direitos autorais? E por que só neste ano o famigerado “domínio público” alcançou as suas produções?
Regulamentados no Brasil pela lei 9610/98 - também denominada Lei de Direitos Autorais -, os direitos autorais se referem a um conjunto de garantias morais e patrimoniais asseguradas aos escritores de conteúdos intelectuais, a exemplo de músicas e livros para que gozem da plena propriedade de suas criações.
Moralmente, essa proteção alcança direitos pessoais do autor, não passíveis de avaliação econômica, que tangem ao reconhecimento de sua contribuição para o desenvolvimento da obra. O art. 24 da lei mencionada dispõe, dentre outras coisas, sobre a garantia do literato de ter seu nome ligado à obra, de reivindicar sua autoria e de retirar o exemplar de circulação quando esta atentar de qualquer modo contra sua imagem ou reputação. Já na esfera patrimonial, esse “escudo legal” está relacionado aos aspectos comerciais e econômicos das criações protegidas. É através dessa dimensão que são regulados os direitos de reprodução, distribuição, exibição ou adaptação de um conteúdo intelectual, assim como são normatizadas as maneiras pelas quais o escritor pode lucrar com sua produção. O art. 28 da lei 9.610/98 trata dos tipos de exploração de composições artísticas, científicas e literárias, que dependem da plena anuência do titular dos direitos autorais para se concretizarem e, logo em seguida, o art. 30 promove integral liberdade para disponibilizar - gratuita ou onerosamente - a criação para o público.
Quanto ao processo de sucessão, este se assemelha a uma sucessão patrimonial comum, ensejando a abertura de um inventário para verificar a extensão dessas garantias e quem as herdará. Durante o processo, é necessário que se comunique a situação extraordinária às associações a que o autor era filiado, se for o caso, bem como às demais pessoas físicas/jurídicas que lhe pagavam rendimentos ligados à exploração de sua obra, para que fiquem suspensos os pagamentos até a conclusão do inventário, quando irão depositar todo valor acumulado de acordo com o estipulado no formal de partilha. No caso de Graciliano, os direitos autorais foram transmitidos à sua esposa e aos oito filhos que teve em
dois casamentos.
Após a morte de Ramos, os direitos morais relativos a sua autoria passaram a ter duração perpétua, isto é, não se perdem com o passar do tempo. Os direitos patrimoniais, entretanto, são abrangidos pelo art. 41 da Lei de Direitos Autorais, que lhes conferiu proteção pelo prazo de setenta anos, contados a partir do dia 1° de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor. Assim, observado o ano imediato ao do passamento de Graciliano Ramos, 1954, o tempo máximo de proteção dos direitos patrimoniais relativos à sua obra encerrou-se exatamente no primeiro dia do corrente - 2024 -, ficando, portanto, sua obra livre para reprodução por quaisquer editoras e para a exploração cinematográfica.
Diante disso, cabe ressaltar a importância da legislação sobre direitos autorais no contexto brasileiro. A literatura nacional, tal como as demais produções intelectuais, começou a se desenvolver em um tempo em que só os privilegiados tinham acesso à educação e, por conseguinte, aos meios necessários à publicação editorial ou comercialização formal. Dessa forma, a população mais carente sequer podia vislumbrar um cenário em que acessava as prateleiras de livrarias e bibliotecas. Por isso, não havia uma efetiva preocupação com o registro de autorias e com a definição dos direitos morais e dos próprios bens dos escritores, fato que deixou margem para que inúmeras obras se perdessem ou fossem erroneamente alteradas ao longo da história. A lei 9610/98 reflete, portanto, um avanço sem precedentes na proteção do conteúdo intelectual cá desenvolvido, posto que delimitou as garantias e obrigações existentes na relação comercial entre autores e interessados em
explorar economicamente as compilações.
Por Maria Lúcia dos Reis
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