Cobertura da Semana Jurídica
- Ana Carolina do Carmo
- 3 de dez. de 2024
- 9 min de leitura
A reforma do Código Civil
Na noite do dia 6/09/2024 (sexta-feira) ocorreu no Teatro São Joaquim, do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, unidade Lorena, a palestra de encerramento da tão aguardada Semana Jurídica, com o tema “A reforma do código civil”, ministrada pelo famoso advogado Maurício Baptistella Bunazar, o qual além de especialista em direito civil, está diretamente envolvido na proposta de reforma da supracitada lei.
Devido ao tema atualíssimo, a palestra era uma das mais esperadas da semana, mas quase não aconteceu, por ser véspera de feriado, o doutor Bunazar enfrentou 4 horas de congestionamento na Rodovia Presidente Dutra, o que ocasionou um atraso para o início da reunião.
Logo no começo a autoridade ressalta a alegria de retornar ao Unisal, sendo a faculdade um dos primeiros lugares a abrir as portas para suas apresentações, ainda nos primórdios de sua carreira. A composição da mesa contava com dois alunos (sendo um deles membro de destaque da empresa Júnior do curso de direito, a ValeJur), quatro professores (doutora Milena, doutor Suhel Sarham Junior, Doutor e coordenador Bruno Creado e doutora Luísa Sodero), além das ilustres presenças da vice presidente da OAB Cruzeiro (doutora Lucianne Garcia) e do palestrante (doutor Maurício Bunazar).
Em seguida há uma exposição geral sobre o projeto, Bunazar informa que o nome correto é “Revisão e Atualização do Código Civil”, realizado pela colaboração de uma multidão de juristas, ao contrário dos códigos anteriores, sendo o de 1916 fruto da ação de um único jurista e o de 2002, de uma comissão. A estruturação da nova lei foi pautada em diferenças doutrinárias entre os responsáveis com discussões que colaboraram para o crescimento do código, tornando-o abrangente e atualizado, concedendo-lhe a maior proximidade possível de seu objetivo, atender os interesses de todos os membros da sociedade brasileira. Devido ao seu tamanho, passou a ser considerado por muitos como um novo código civil.
Após breve introdução, os ouvintes foram encaminhados aos temas de maior repercussão e consequentemente, de maior interesse, o doutor comenta sobre uma das ações mais comuns durante o processo de atualização, a incorporação de súmulas do STF à lei, tornando-as oficialmente parte do sistema legislativo escrito brasileiro, nas palavras de doutor Maurício “São incorporadas de maneira mais quantitativa do que qualitativa”, pois já possuíam força de lei na sociedade e amparavam a jurisprudência.
“O projeto é lotado da jurisprudência pacificada do STF buscando segurança jurídica” diz o doutor.
Entre as decisões encontradas no novo código, citam-se aquelas voltadas ao casamento homoafetivo, à multiparentalidade e à parentalidade socioafetiva.
Em seguida, a palestra passa a ser dividida em tópicos, para facilitar a exposição e entendimento do projeto, subterfúgio que também será adotado nesta matéria.
Incapacidade
O debate do tópico começa com uma explicação sobre o escopo de tal ferramenta do direito e suas consequências sociais, segundo as palavras do palestrante: “Historicamente possui função protetiva sobre o incapaz e por isso sempre geraram exclusão, como faz toda proteção”.
Sobre a lei 13.146/2015, também chamada de estatuto da pessoa com deficiência, Maurício Bunazar afirma ter muitas coisas boas, como por exemplo ao tratar de acessibilidade, porém ao seu modo de ver possui um equívoco, seu artigo 2° caput define pessoa com deficiência como qualquer pessoa que por razão sensorial, mental, psíquica ou física tenha dificuldade frente à obstáculos. Em contrapartida seu artigo 6° diz que a deficiência não afeta a plena capacidade civil, esquecendo-se do conceito abrangente que ele próprio deu ao termo, segundo o doutor.
Redação do artigo 2° caput lei13146/2015
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Redação do artigo 6° lei 13146/2015
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I - Casar-se e constituir união estável;
II - Exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - Conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V - Exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - Exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Tal lei alterou o inicialmente proposto pelo código civil de 2002, mantendo como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos, além do rol do art.4.
Atual redação do código civil de 2002, relativa ao tema acima:
Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos
Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - Os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - Os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
Para Bunazar, O grande problema disso é a injustiça, já que torna as pessoas com deficiência absolutamente vulneráveis, retirando proteções como o fato de a prescrição e o usucapião não os atingir, para completar seu raciocínio, cita a celebre frase de Aristóteles: “A pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais” e também o princípio da igualdade “Deve-se tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais na medida exata de sua desigualdade”.
Doutor Maurício propôs para o código novo o artigo com a redação:
São completamente incapazes
I- Os menores de 16 anos
II- Aqueles que não tenham discernimento para os atos da vida civil.
Sendo o discernimento tirado por qualquer motivo
Sua proposta perdeu, sendo a aceita:
São absolutamente incapazes
I- Menores de 16 anos
II- Aqueles que por nenhum meio podem expressar sua vontade, em caráter temporário ou permanente.
Eis aqui um dos artigos da nova lei, considerado pelo palestrante uma evolução dela.
Animais
O tema do momento também esteve presente na palestra, o doutor explica que as pessoas têm com os animais uma relação de tipo pessoal, ele se intitula um completo apaixonado pelos animais: " sou devoto de são Francisco de Assis".
Há um jurista que entrou na reforma para representar os animais, defendendo a personalidade jurídica, implicitamente dando-lhes uma quase dignidade humana, "ao ser jusnaturalista reconhecemos que a natureza impõe limites" discorda Bunazar, “o direito positivo pode muito, mas não pode tudo”, ele diz que os animais não são coisas, eles tem alma (anima), se movem, temos isso em comum, estão muito mais próximos das pessoas do que das coisas, fato percebido pelo costume de nomeá-los.
Sob esse viés, temos a redação de um artigo do projeto sobre os nossos amados bichinhos:
Art. 91 os animais são seres vivos sencientes e passivos de proteção jurídica própria em virtude de sua natureza.
§1 a proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial.
§2 até que sobrevenha a lei especial, são aplicadas aos animais as disposições previstas aos bens desde que não incompatíveis com sua natureza.
A nomenclatura de seres sencientes é ressaltada pelo doutor, pois significa que eles sentem medo, dor e por isso tem o direito de serem protegidos, tal artigo regula a situação dos animais de acordo com a constituição, que transforma os animais em objetos especialíssimos de proteção, se trato um animal como coisa fosse ele morre. Como argumento é citado o recente “caso Joca”, como incentivo à proteção contra a crueldade.
Em seguida surge o apontamento de o STF discutir sobre sacrifício animal em cultos religiosos, se é ou não constitucional tal situação. Sobre isso, o palestrante discursa que o texto constitucional garante a liberdade de crença, como absoluto e o direito de culto que deve respeitar regras, logo o STF decidiu por reconhecer a constitucionalidade, decisão apoiada por Bunazar, por ser uma atitude mais voltada às matrizes africanas, proibi-la seria suprimir o culto, impedi-los. Obviamente fica vedado todo e qualquer ato cruel. “Um arraigado preconceito nos faz impedir. Matar nos cultos e matar no açougue, no ato não há diferença.”
Direito de família
O atual código traz uma série de impedimentos, casar com parentes próximo como irmãos, adotivos e sanguíneos, destacado na palestra que todos são puramente de ordem moral, não havendo argumentos científicos. O artigo que impede casamento entre irmãos adotivos foi revogado.
O tema central passa a ser sobre o artigo de concubinato, o doutor conceitua: relação ilícita entre pessoas que não podem se casar ex. Amantes, e contextualiza que tentaram retirar o termo do código por acharem-no feio., já que concubinato deriva do grego, significando aquele com que você se deita, Bunazar não concordou, "feia não é a palavra, é a realidade que ela representa, mais feio que a palavra é ter amante", ao retirar o artigo, estaria sendo permitido a existência de famílias paralelas, pois no direito civil o que não é proibido é permitido. Apenas retirar o termo, daria margem para um novo tipo de família. Nesse sentido, sugere o doutor um novo artigo para o código
Art. 1564: A relação não eventual entre pessoas impedidas de casar não constitui família.
§8 relações patrimoniais oriundas dessa relação, são regidas pela lei de enriquecimento sem causa.
Direito das sucessões
Uma blogueira diz que a comissão acabou com a viúva, Bunazar rebate dizendo que apenas retornaram ao código civil de 1916 em que a viúva ou o viúvo não são mais herdeiros necessários, mas com direitos atribuídos aos vulneráveis, como o direito de morar de graça na casa e o usufruto do imóvel.
Ao fim da palestra, finaliza dizendo que o novo código possui um livro de direito digital, sobre o qual não poderia falar muito pela falta de tempo, mas nosso jornal conseguiu uma entrevista exclusiva na qual o palestrante dá mais detalhes sobre a novidade.
O doutor finaliza com a frase de Miguel Reale: “O código civil é a constituição das pessoas comuns.”


Entrevista com Maurício Bunazar
Eu gostaria de começar desejando-lhe uma boa noite, mas principalmente agradecendo por todo carinho e atenção que o senhor demonstrou com a nossa universidade, com os alunos e pela palestra excepcional. Esse carinho desde o momento do transporte, a luta que foi a Dutra pré-feriado, a hora das fotos, toda a atenção com os alunos, é muito importante para nós ver que uma pessoa que chegou do topo se preocupa com a base, é fundamental para nossa formação.
Vamos às perguntas!
1 - Visto que o código civil anterior esteve vigente durante 87 anos, qual motivo levou a um envelhecimento tão célere do código de 2003, com apenas 21 anos? Podemos atribuir tal mudança rápida a um amadurecimento de consciência na sociedade em relação ao século anterior?
Ana, primeiramente obrigado pela gentileza, pela atenção, eu repito o que disse aqui na palestra, a Unisal é uma universidade pela qual eu tenho muito carinho e estou aqui há muitos anos, venho aqui há muitos anos, desde que eu era bastante jovem, então eu tenho esse carinho muito especial pela Unisal. Ana, sobre a sua pergunta, ela é muito boa, só que há um problema de premissa, o código de 2002 ele está vigorando a 20 anos, só que ele está sendo gestado desde a década de setenta, então ele é um código que começou lá por setenta e cinco, então já é um código com quase cinquenta anos. Se nós pensarmos as mudanças sociais que aconteceram em cem anos passados e compararmos com o que acontece nos tempos atuais em vinte anos, as coisas são muito mais intensas, então o código realmente precisa se adaptar. O código civil é a lei do cidadão comum, você imagina que quando eu nasci, mil novecentos e oitenta, havia discriminação entre filhos, o homem era o chefe da sociedade conjugal, ninguém pensava em direito de pessoas homossexuais, então a sociedade mudou rapidamente por uma questão de pluralidade, etc. A legislação tem que acompanhar essas mudanças, é natural que assim aconteça.
2 - A segunda pergunta é sobre o finalzinho da palestra. Gostaria de saber se o doutor poderia falar um pouco mais sobre o livro de direito digital presente na reforma.
Eu gostaria até de poder ter falado mais sobre o livro de direito digital. A turma que o fez, vou nomear especialmente a Laura Porto, que é uma moça brilhante, teve o cuidado de fazer um livro no código civil para que ele seja um todo orgânico com o código, e como eu te disse a ideia fundamental é garantir princípios gerais como autonomia privada, liberdade, privacidade, proteção de dados, então o que o código fez foi isso, além de, na parte de direito digital tratar de atos notariais digitais como testamento digital, escrituras digitais, ata notarial digital, então é nesse sentido. Acho que poderíamos marcar uma hora para falar só disso.
3 - Estando o doutor em proximidade muito grande com o processo de reforma, gostaria de lhe perguntar como é participar tão ativamente do processo, realizando mudanças reais e significativas na prática do direito brasileiro?
Ana, sem nenhum tipo de exagero, é a maior honra que eu poderia ter como civilista, a maior honra e o maior desafio, eu sei muito o peso que isso tem, a responsabilidade que isso traz, mas não posso negar que é uma honra e uma alegria muito grande. Muito obrigado.
Estou muito honrada de entrevistar o senhor, um grande nome do direito, estou impressionada.
O currículo de Maurício Baptistella Bunazar

Graduado em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Mestre, Doutor (cum laude) e Pós-Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP. Professor em Cursos de graduação em Direito e Cursos Preparatório para concursos públicos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil e um dos envolvidos na reforma do código civil.
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