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Um olhar jurídico: O Julgamento do Chaves

  • Foto do escritor: Ana Carolina do Carmo
    Ana Carolina do Carmo
  • 22 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

Essa matéria marca a estreia de um novo “quadro” no jornal,  chamado de “Um olhar jurídico”, o qual tem por objetivo explicar de forma lúdica e simples os institutos, teorias e bases do Direito, usando da análise de casos e personagens de filmes, livros, séries e desenhos sob a ótica do Direito brasileiro, mostrando as possíveis consequências de suas atitudes ou se as sentenças aplicadas na história foram corretas. Faz-se necessário em alguns casos a desconsideração de alguns aspectos da narrativa para a aplicação das regras brasílicas, como o local e a idade das personagens.


Um olhar jurídico: O julgamento do Chaves


A série “Chaves”, título original “El Chavo del Ocho”, é uma criação de Roberto Gómes Bolaños, iniciada na década de 70, retrata a vida do menino órfão Chaves, o qual mora no barril de uma vila. Após um acordo com a emissora mexicana “Televisa”, o seriado passa a ser exibido no Brasil pelo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) desde a década de 80 até o ano de 2020.


“O julgamento do Chaves” é uma das muitas narrações da série, sendo dividida em duas partes: “Era uma vez um gato - parte 1” (exibição original mexicana em 28/04/1975) e “Era uma vez um gato – parte 2” (exibição original mexicana em 05/05/1975), além de ter relação direta com o episódio da semana anterior: “O aniversário do Kiko” (exibição original mexicana em 21/04/1975).


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A primeira parte se inicia com a chegada do professor Girafales na vila carregando um gato que ele diz ser um presente para o menino Kiko, pois não pôde comparecer ao seu aniversário na semana anterior. Relacionando-se com o tema do episódio antecedente, o  desenrolar do caso se dá com muitas piadas e com Kiko levando o seu novo “mascote” para o segundo pátio. Logo após entra em cena o Seu Madruga, que acaba de conseguir um emprego e está levando uma bicicleta. Com isso, o gatinho foge e o professor decide procurar na rua juntamente com Kiko. Chaves, com o intuito de prestar auxílio pega a bicicleta de Seu Madruga e parte em busca também. No fim, Kiko entra na vila chorando e diz que Chaves atropelou o animal com o veículo. Assim, Dona Florinda, mãe de Kiko, professor Girafales e Seu Madruga com sua filha Chiquinha, iniciam uma discussão para decidir se Chaves é culpado ou não. Logo em seguida, o professor Girafales decide fazer um julgamento mais elaborado, dando às personagens uma semana de prazo para o recolhimento de provas.


O segundo episódio se principia com Seu Madruga e Chiquinha indo até o julgamento. Eles são a defesa do réu, Chaves, Dona Florinda e seu filho Kiko são a acusação e por fim, o professor é o juiz. Cada um deles tem a chance de defender os seus pontos de vista, sendo levantadas as teses de que Chaves teria atropelado o gato por inveja ou até mesmo por medo do animal. O episódio decorre quase inteiro sem grandes revelações, porém nos minutos finais descobre-se que o garoto atropelou o gato, pois como ele disse: “tinha de desviar do homem parado feito bocó na rua olhando para uma dona bonita”. Apesar de não ser dito verbalmente, tal homem era o professor, o qual por ter interesses românticos na Dona Florinda ficou constrangido com a situação e declarou a inocência do réu.


Agora que todos conhecem o caso, se o juiz não estivesse comprometido, teria a situação se desenrolado de maneira diferente?


É o que analisar-se-á na matéria de hoje. A fim de ser possível a aplicação das leis brasileiras faz-se necessário desconsiderar a idade das personagens menores e o fato de a história acontecer no México.


O atropelamento ocorre devido ao desvio necessário para não ferir  Girafales, tendo em vista o perigo de um acidente, o ciclista prefere sacrificar a vida do animal para não prejudicar a integridade física de uma pessoa. Observando a razoabilidade do sacrifício do gato em prol do pedestre, conclui-se que Chaves agiu em estado de necessidade (artigos 23, inciso I e 24 do código penal e 188 do código civil), uma das quatro excludentes de ilicitude, definida pelo jurista Pontes de Miranda como: “situação fática em que, para se evitar perigo, se tem de invadir a esfera jurídica de outrem, uma vez que o perigo não seja atividade de alguém, contrária a direito.”, logo, ele não cometeu crime ambiental ao matar o felino.


Então, Chaves não cometeu crime algum e não será penalizado na seara do Direito Penal. Mas e quanto às indenizações cíveis?


Uma vez que os donos são responsáveis pelas ações de seus animais (artigo 936 do código civil) e os mesmos não podem circular sozinhos nas vias (artigo 53 do código de trânsito brasileiro), mesmo que em estado de necessidade seja previsto o ressarcimento do dono do direito sacrificado quando ele não é culpado pelo perigo (artigo 929 código civil).Desse modo, Kiko não poderia pedir indenizações, pois considera-se omissão do dono o fato de seu pet ter fugido e permanecer no meio da rua. Além disso, pedidos nessa situação são frequentemente negados pela jurisprudência. 


Com o acidente, tanto Chaves quanto Seu Madruga poderiam ter prejuízos: o garoto com possíveis machucados e o dono da bicicleta com os estragos nela causados, sendo perfeitamente possível o processo por perdas e danos contra o dono do animal, suposto culpado da situação de acordo com o supracitado artigo 936 do código civil.


Paralelamente, o verdadeiro culpado pela situação foi o pedestre parado em lugar indevido, o qual ocasionou o estado de necessidade e consequentemente o atropelamento, logo, de acordo com o artigo 930 do código civil, Kiko tem direito de entrar com uma “ação regressiva” contra o professor, exigindo que ele pague os danos causados.


Após o debate, concluiu-se que o menino é realmente inocente e a responsabilidade foi do professor, que acabou por dever algumas indenizações aos envolvidos. Bom, parece que novamente Seu Madruga não vai pagar o aluguel e Chaves perdeu uma bela oportunidade de comer um dos seus amados sanduíches de presunto!


Agora, mais do que nunca é possível compreender os motivos do professor desejar ser o juiz do processo e principalmente, dar fim ao julgamento após a suposição de seu envolvimento.



Por Ana Carolina do Carmo

Aluna do 2º semestre de Direito


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